Perto do Coração Selvagem
Clarice LispectorA amoralidade diante da maldade. O instinto na conducao da trama, com uma certa dose de automartirio. A historia de Joana nao a Virgem dOrleans, mas a personagem de Clarice Lispector nesta obra de estreia, marcou a ficcao brasileira em 1944. A narrativa inovadora (ainda hoje) provocou frisson nos circulos literarios. A tecnica de Clarice Lispector funde subjetividade com objetividade, alterna os focos literarios e o tempo cronologico da lugar ao psicologico (o presente entremeado ao intermitente flashback). A prosa leve discorre com fluencia e fluidez nos meandros da protagonista, na sua visao de mundo e interacao com os demais personagens. Tudo isso revelou Clarice Lispector como mais que mera promessa na prosa da Geracao de 45. E o texto do sensivel e do imaginario, ora enfrentando ora diluindo-se aos incidentes reais de Joana.
Deve-se ler a obra com instrumentos de anatomia: usa-se bisturi para disseca-la e pinca para estudar os personagens como orgaos autonomos, que se ligam por estranhas arterias e nervos a personagem de coracao e cerebro Joana. Sao eles: o pai prematuramente falecido, incentivador das brincadeiras na infancia; a tia assustada com as estripulias da orfa, a quem chama de vibora; o tio fazendeiro, afetuoso com Joana e abulico diante das reclamacoes da mulher; o professor confidente e orientador (como a paixao da puberdade); Otavio, o rapaz que se casa com Joana ao romper o noivado com Ligia, de quem posteriormente se torna amante; Ligia, gravida de Otavio, conta tudo a protagonista; o homem sem nome, sustentado pela mulher, participante silenciosa do romance clandestino e sem compromisso dele com Joana.
A leitura e caleidoscopica. A protagonista ora tem uma cor, ora outra, conforme o momento ("real" ou onirico). As cores dancam no enredo misturado ao cenario e as sensacoes da menina-mulher-amante. Joana desfila na vida dos outros personagens, destilando o veneno de vibora, instilado com ironia e respostas crueis diante dos fato